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sábado, 25 de fevereiro de 2012
MARACUJÁ DO MATO
MARACUJÁ DO MATO
Diz-se que nessa cidadezinha, há algum tempo, quando o progresso ainda não havia se instalado ali, havia muito verde, mata virgem. E era facilmente encontrar nas matas uma parte do sustento familiar, como ingás, tucumãs, mari-mari, maracujá do mato etc. Dessa forma os moradores viviam despreocupados com o que se alimentar. O rio era farto, bastava pegar uma canoinha equipada com tarrafas, malhadeiras ou até mesmo uma linha e anzol que certamente a refeição viria. Isso era fato. Muita gente, além de tirar seu sustento das matas, ainda aproveitava para comercializar alguns frutos.
Timbirica vivia dessa vida, extraindo das matas o pão de cada dia. Homem forte, trabalhador, contava seus 23 anos, chegara nessa cidade para trabalhar na roça, assim ganhar algum dinheiro e construir sua casinha. E não parava de trabalhar. Saía para o trabalho diário ainda no escuro, antes do alvorecer. Machado no ombro, mochila às costas com algum pão, água e uma minúscula garrafa de café. Lá se ia Timbirica para mais uma jornada de trabalho árduo.
Esse era apenas um exemplo de um trabalhador que ganhava o seu sustento, plantando roça e extraindo frutos oriundos das matas. Sabe-se que como Timbirica, viveram, ou vivem até hoje por lá, homens que, puramente, tinham uma grande ligação com a natureza, explorando-a com respeito.
Hoje, com o progresso assustador – máquinas computadorizadas, velocidade, globalização – o homem perdeu a ligação com as matas, com o próprio homem. E isso vem se massificando a tal ponto de o homem explorar de forma terrorista outro homem, este homem que, já distante daquela vida de outrora, já perdeu quase as esperanças de dias melhores.
E nesta cidadezinha, a qual não para de “crescer”, há umas duas décadas sofreu uma transformação econômica de dar inveja a muitas cidadezinhas espalhadas por este norte amazônico. Com a riqueza vinda dos royalties do petróleo e do gás natural, o homem, definitivamente, engendrou uma guerra de poder político. A ambição tomou conta de todos que chegam ao cargo político majoritário – o de prefeito.
Dessa forma, o povo vem sofrendo as consequências desse progresso DESorganizado. A qualquer custo o homem quer construir, alimentar-se, divertir-se (modernamente com jogos eletrônicos, ter acesso à internet, possuir aparelhos de som e TV de LCD ou LED...)
Timbirica sumiu, ninguém sabe para onde foi. Assim como muitos outros que não tiveram oportunidades naquele lugar. Ou voltaram para seus lugares de origem ou levam uma vida na miséria, sobrevivendo a cada dia. Já não se vê mais um maracujá do mato, fruta esta que se extraia das matas. Era comum meninos, homens e mulheres carregando sacas e mais sacas deste fruto tão apreciado. Hoje infelizmente não há mais sinal dele. Muitas crianças, hoje, não sabem o que é um maracujá do mato.
Será que este advento tecnológico, revestido do progresso ainda continuará extinguindo tantas coisas de um passado belo? Há algum tempo aportei naquela cidadezinha para rever amigos e familiares, também para recordar muitos lugares pitorescos com amigos, por onde andava o que via eram cinzas deixadas por predadores que fazem dessa nova terra seu próprio sustento, seu viveiro. Havia lugares genuinamente aprazíveis, de dar orgulho, como praias, igarapés. Lembro-me de um igarapé, conhecido por todos como igarapé do Nambu, onde as famílias comumente se reuniam nos fins de semana para se divertir, levar seus filhos para nadar nas águas límpidas, brincar de pipas nas praias, jogar bola ou até mesmo passear de canoa.
Espantei-me ao ver aquele lugar devorado por muitas casas de palafitas, não há mais aquela praia nem tampouco um rio salubre onde se possa nadar. Pasmado, pensei na devastação que todo progresso causa. Será que o moderno, o avançado tem que engolir as coisas boas do passado? O mal maior é que a nova geração não se atenta para as perdas de valores, deixando levar-se por um mundo tecnológico, globalizado que deixa muitas pessoas alienadas; ou seja, as pessoas, massivamente, absorvem culturas impostas, já não se constrói mais, o dinheiro pode comprar a diversão, a cultura, o entretenimento. Diferentemente de outrora que era quase obrigatório construir tudo isso, todos os valores sociais.
A perplexidade da vida vem se agigantando diante de todas essas transgressões do homem diante à natureza. Sinto-me corroído com tudo isso, com a devastação do verde, a extinção do maracujá do mato, a deflagração do espírito humano.
Não encontramos mais alguém que venda, naquela cidadezinha, maracujá do mato. Sumiu mesmo. É cuidar para que outras espécies não sumam assim também. Que venha o progresso, mas que seja de modo racional, cuidadoso, unindo o passado ao presente e, assim, valorizar nossa própria vida e a vida de outras gerações vindouras.
(LIMA, Augusto Dário, Manaus-AM, 20 de Fevereiro de 2012)
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